segunda-feira, 6 de setembro de 2021

A escutatória


 “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as ideias estranhas). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o bem de cada um de nós.

É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra.


Texto de Rubem Alves

terça-feira, 30 de março de 2021

Oração



Estamos todos tão sós.

Será o fim da humanidade?

Ou o fim de uma nova era?

Talvez todos estejamos tão atolados e imersos no nosso egocentrismo que o preço a se pagar, seja exatamente o mais caro, nos isolarmos.

Um isolamento não opcional, uma fatídica prisão domiciliar.

Uma extinção em massa, uma extinção de pais, mães, filhos, irmãos, tios, sobrinhos, primos, amigos, uma extinção de vidas.

Fazemos muito mal uns aos outros, somos a espécie mais falha na arte de amar.

Tenho pena de nós humanos.

Cada vez mais sozinhos e tristes.

Em completo náufrago.

Temos tanto de bonito para doar, mas escolhemos nossas piores facetas.

Precisamos tanto nos olhar, olhar por dentro e para dentro.

Temos que rasgar as máscaras da alma.

Respirar. Puxar o ar e soltar devagar e plenamente.

Temos que saltar desse ego sombrio que nos limita tanto.

Precisamos de vida, mas de vida em abundância.

Deus, por favor, nos perdoe por tudo que causamos ao planeta e nos dê apenas mais uma chance de amar.

Amém.



terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Sobre a tristeza

O que seria um sinônimo de tristeza pra você?
Tem tantos e inimagináveis significados, o primeiro deles, é nunca falar sobre isso, nunca admitir quanto se está triste.

Vivemos num grau de hipocrisia tão grande, que fica difícil admitir para os outros quando não se está feliz.
E estar infeliz, pode ser apenas um estado de espírito por um tempo determinado, ou indeterminado, esse estado pode durar toda uma vida.
Eu só quero falar sobre essa tristeza do dia a dia, que ainda temos o péssimo hábito de manter longe do alcance de todos e especialmente e principalmente de nós mesmos.
O que queremos provar para a humanidade, depois do uso um tanto abusivo dos sorrisos forçados para as fotos que postamos por aí?
O que de fato nos faz sentir alegria?
E porque nós seres tão ínfimos não admitimos que tem dias que é mesmo uma bosta acordar?
Temos vergonha de falar sobre nosso descontentando repentino, ou responder honestamente a mais vazia frase: "Oi, tudo bem?"
Porque mentimos tanto para nós mesmos as vezes?
Simplesmente admitir uma infelicidadezinha de vez em quando, pode parecer um tremendo absurdo para aqueles que dizem se importam com você. Não é?
No extinto blog Cutuca, que eu falo! Eu falava sobre tudo, inclusive sobre essa dor que a gente não admite nem pra gente mesmo.
Essa dor que acorda com a gente em alguns dias e leva o dia inteiro para se despedir.
E nem adianta você não admitir que ela acorda com você em alguns dos seus dias também, e eu sei, ela é dura, machuca, arregaça a alma.
Mas já que eu resolvi abordar sobre um sentimento considerado feio de sentir, vou te dizer outra coisa importante: essa merda passa!
Mas só passa, se você deixar ela escorrer pelos olhos como cachoeira, se você acreditar que um momento de tristeza, não pode ser tão duradouro à ponto de você sufocar a sua alma.
Você tem que ser maior que essa tristeza que está acordando com você e demorando pra passar, você tem que ser imenso no meio desse caos.
O mundo vai te apresentar uma quantidade exorbitante de motivos para essa tristeza não passar e se tornar do seu tamanho, mas meu caro, é preciso ser destemido para admitir que precisa avaliar o seu mundo, pedir ajudar se precisar e continuar a remar, você precisa continuar a remar.
Existe uma força cósmica que denomino Deus, e essa força sem precedentes na humanidade, é capaz de te olhar, quando ninguém mais faz isso. Pode crer!
Crer, é exatamente a palavra mais construtiva que tenho para te escrever nesse momento.
Pegue a sua crença no Deus absoluto e ande, corra, trote... mas faça isso, porque você merece estar aqui, lutando.
Em meio ao caos do seu universo particular, você é primordial para que tudo funcione corretamente nesse planeta.
Seu coração bate no mundo.
Falar sobre almas solitárias é bem delicado, cada um de nós sobrevive num abismo por muitas vezes.
Para começar, temos que aceitar que somos falhos e somos absolutamente carentes, e isso não é a admissão de fraqueza, isso é ser um tanto tão forte, que reconhece que precisa de pequenas porções de tudo aquilo que se transforma em amor dentro de nós.
Vá além. Oferte!
Oferte o seu amor, a sua gentileza, o seu olhar, preste atenção!
Não perca a sua essência porque o mundo está sendo perverso com você.
Deixe de aceitar coisas ruins que vão impregnando o seu espírito, não aceite mais fazer parte dessa maioria que machuca.
Vai dar tudo certo!
Persiga a sua fé e seja bom, isso pode parecer meio clichê, mas eu acredito mesmo nessa história de que podemos melhorar o mundo, quando somos efetivamente bons em nossas atitudes.
Não detenha mais o seu amor, a sua beleza, por favor, continue remando.
Deus está te ouvindo, atentamente.
Chore e seque suas lágrimas, porque realmente TUDO VAI DAR CERTO!
Acredite, as borboletas vão colorir tudo outra vez.